Introdução:
A bexiga urinária atua como um reservatório para armazenar e eliminar periódicamente a urina produzida, resultado do processo de filtração glomerular. Para que essas funções ocorram adequadamente, é necessário que a musculatura lisa vesical (detrusor) relaxe e haja aumento coordenado do tônus esfincteriano uretral durante a fase de enchimento da bexiga – e o oposto durante a micção.
A coordenação das atividades da bexiga urinária e do esfíncter urinário envolvem uma grande interação entre os sistemas nervosos central e periférico e os fatores regulatórios locais, sendo regulada por vários neurotransmissores.
Quando abordamos as capacidades miogênicas e viscoelásticas da bexiga e da uretra também, observamos também o quanto são importantes para manutenção da função adequada de reservatório da bexiga.
ANATOMIA DA BEXIGA URINÁRIA
A bexiga é um órgão muscular oco, revestido internamente por epitélio transicional denominado urotélio. Externamente ao urotélio localiza-se a lâmina própria e as camadas muscular lisa e adventícia.
A Lâmina própria é uma camada bem desenvolvida, ricamente vascularizada, formada basicamente de tecido conectivo com abundância de fibras elásticas. A camada muscular própria da bexiga (músculo detrusor) é constituída por fibras musculares lisas que formam feixes sem orientação definida, ramificam-se e reúnem-se livremente, mudando de orientação e de profundidade na parede da bexiga e entrelaçando-se com outros feixes. Esse arranjo sob a forma de malha complexa, sem formar camadas distintas, permite que o detrusor possa contrair-se de forma harmonica, comprimindo a urina em direção ao óstio interno da uretra durante a micção.
O músculo detrusor pode ser dividido em duas porções, com base nas diferenças regionais de sua inervação simpática:
- Corpo Vesical, porção localizada acima dos orifícios ureterais, e que compreende sua maior parte;
- Base, que incorpora o trígono e o colo vesical.
Feixes musculares do detrusor são formados por células musculares lisas que se organizam em fascículos separados uns dos outros, de forma incompleta, por septos de interstício compostos por fibras elásticas e colágenas e raros fibroblastos. Por outro lado, feixes detrusores são revestidos por fibras elásticas e colágenas, vasos sanguíneos e terminações nervosas.
Aspéctos Fosiológicos
Contração vesical
Como a maior parte das funções do trato urinário inferior relaciona-se com contração ou relaxamento de sua musculatura lisa, é importante rever o mecanismo pelo qual isso ocorre.
Várias etapas do metabolismo celular relacionam-se com geração de força muscular lisa do Trato Urinário Inferior (TUI). Potencialmente, cada uma delas pode ser alterada em diferentes condições patológicas e contribuir para causar anormalidades contráteis da bexiga. Da mesma forma, todas são alvos potenciais de tratamento farmacológico.
Contração da musculatura lisa do TUI
Células musculares lisas têm formato de fuso com 5 a 50 μm de largura e até 0,5 mm de comprimento e três tipos de filamentos em seu citoplasma: espessos (miosina), finos (actina) e intermediários (vimentina e desmina).
A função dos filamentos intermediários parece estar relacionada à formação do citoesqueleto. Actina e miosina, por outro lado, têm sua função bem-estudada e constituem a base estrutural que permite a geração de força pelas células musculares lisas.
Um filamento de miosina é composto de múltiplas moléculas de miosina, cada qual contendo duas cadeias polipeptídicas de 200 KDa, chamadas cadeias pesadas. Numa de suas extremidades (cabeça), cada uma das cadeias pesadas tem duas cadeias menores de polipeptídeos (cadeias leves) de 20 KDa e 17 KDa.
Assim, cada molécula de miosina tem duas cabeças e uma cauda, que por sua vez é responsável pela habili- dade da miosina de se arranjar em filamentos espessos, enquanto na cabeça residem os sítios para ligação de ATP e actina e atividade enzimática. Filamentos de actina são compostos de múltiplos monômeros de actina
Anatomofisiologia da micção
Arranjados na forma de uma cadeia de dupla hélice. A geração de força na célula muscular lisa se faz pela interação entre os filamentos de actina e miosina, que formam pontes entre si e, quando ativados, deslizam de maneira a causar contração celular.
Metabolismo celular durante a contração vesical
A contração da musculatura lisa vesical, assim como a de outros músculos lisos, é iniciada pela elevação da concentração intracitoplasmática de cálcio no citoplasma da célula muscular. O cálcio livre liga-se ao calmodulin e o complexo formado ativa a quinase da cadeia leve de miosina, que cataliza a fosforilação da cadeia leve de miosina, causando alterações conformacionais da molécula de miosina provocando contração da fibra muscular e gerando força.
Cáccio citoplasmático origina-se principalmente de um reservatório intracelular, o retículo sarcoplasmático (RS). Ele é armazenado no RS através de uma bomba de cálcio ATP-dependente, que transporta Ca2+ contra o gradiente de sua concentração. Mensageiros intracelulares são responsáveis pela liberação do Ca2+ sinaliza ao RS para que libere seus estoques de Ca .
Por sua vez, aumento na concentração intracelular de Ca2+ determina liberação ainda maior desse elemento a partir do RS. Outros neurotransmissores liberados nas terminações nervosas da eferência parassimpática sobre o TUI podem afetar a concentração intracito- plasmática de Ca2+ por esse ou por outros mecanismos e promover ou potencializar a contração vesical. Entre eles, destaca-se o ATP.
Declínio na concentração intracitoplasmática de cálcio induz ao relaxamento da fibra muscular, principalmente pelo retorno ativo do Ca2+ ao RS.
Quanto ao sistema nervoso parassimpático, o mesmo atua principalmente por meio da liberação de acetilcolina, que estimula os receptores muscarínicos da parede vesical, promovendo sua contração. Em condições normais, tal contração ocorre apenas durante a micção; durante a fase de enchimento, a estimulação parassimpática permanece inibida.
Além da acetilcolina, outros neurotransmissores estão envolvidos na inervação parassimpática sobre o TUI. São os NT não adrenérgicos e não colinérgicos (NANC), dentre os quais se destacam os purinérgicos e, mais especificamente, o ATP.
Atuando sobre receptores específicos, o ATP pode facilitar a contração ou o relaxamento da bexiga. A contração detrusora normal parece depender quase exclusivamente da estimulação colinérgica, ao contrário de alguns mamíferos em que a contração NANC tem importância significativa em con- dições normais. Entretanto, em condições patológicas, a importância da estimulação NANC pode aumentar significativamente.
Atuação do SNA Simpático
O sistema nervoso simpático exerce sua influência sobre o TUI por meio de estimulação adrenérgica, atuando principalmente na liberação de noradrenalina em receptores do corpo vesical, da base vesical, da próstata e da uretra. No corpo vesical, a influência simpática é inibitória, facilitando o relaxamento vesical durante seu enchimento. Tal ação acontece por meio de receptores β2 e β3. Estes são os mais importantes e sua estimulação aumenta os níveis citoplasmáticos de AMPc, determinando sequestro de cálcio dos retículos sarcoplasmáticos, diminuindo a excitabilidade da célula.
O Urotélio também exerce função nas fases de armazenamento e de micção. Em resposta ao estiramento, ele libera ATP local, que ativa terminações nervosas suburoteliais, agindo em receptores em receptores específicos.
A acetilcolina liberada na terminação nervosa parassimpática atua sobre receptores muscarínicos da musculatura lisa vesical, provocando liberação de um mensageiro intracelular (inositol-trifosfato), que estão envolvidos na regulação fisiológica das vias aferentes que controlam os reflexos de volume na bexiga, sendo considerados receptores de volume.
Outras substâncias, tais como óxido nítrico, capsaicina, taquicininas e prostanoides podem exercer funções inibidoras ou estimuladoras da ativação vesical. Dessa forma, o urotélio também tem função meca-noreceptora na regulação vesical.
Atualmente, reconhece-se a importância das células intersticiais e dos neurônios periféricos (gânglios nervosos vesicais), constituindo o plexo miovesical em analogia ao plexo mioentérico, com possível função de iniciar a contração e propagá-la.
O funcionamento vesical pode ser modular e cada módulo se une para formar um órgão esférico. Sendo assim, as unidades básicas de funcionamento vesical seriam esses módulos, que podem se contrair de maneira independente ou coordenada de acordo com as circunstâncias.
Hiperatividade Detrusora
Na hiperatividade detrusora existiria uma atividade anormal e coordenada dos módulos, enquanto uma atividade excessivamente localizada e sem coordenação provocaria distorções na parede vesical, aumentando a sensação vesical que pode ser responsável pela urgência. A micção se daria pela ativação coordenada de todos os módulos.
O plexo miovesical auxilia também na percepção da repleção vesical de duas maneiras:
1) através de nervos que expressam transmissores típicos de nervos sensitivos e correm próximos às células intersticiais e;
2) pela ação da acetilcolina.
Atualmente já se reconhece a resposta a acetilcolina em segmentos isolados de bexiga equando afetada pelo volume vesical. Com baixo volume, a atividade vesical é mínima, enquanto volumes elevados acompanham-se de atividade fásica mais pronunciada.
Quanto ao funcionamento do plexo miovesical, provocaria contração detrusora ineficiente, com resíduo miccional. Tal fato poderia explicar por que a contratilidade vesical fica frequentemente comprometida em pacientes idosos, nos quais o fenômeno de denervação vesical é comum.
Controle de esfíncter urinário
Esfíncteres liso e estriado recebem inervação por fibras simpáticas e parassimpáticas. Entre elas, somente a simpática parece ser importante funcionalmente para a continência. Na base vesical predominam os receptores α, em especial α1. Sua estimulação promove contração do colo vesical, aumentando a resistência a esse nível, bem como na uretra prostática.
Por outro lado, seu bloqueio tende a relaxar tais componentes, resultando em diminuição de resistência ao fluxo urinário. Em situações patológicas, como nos casos de obstrução infravesical, ocorre aumento da expressão de receptores α no corpo vesical e sua estimulação é responsável pelos sintomas de enchimento apresentados por boa parte de pacientes.
O relaxamento esfincteriano durante a micção é um processo complexo e não totalmente conhecido. O que se nota é a importância de um mecanismo NANC mediado pelo óxido nítrico, que parece ser importante neurotransmissor envolvido no relaxamento.
Além dos receptores eferentes, é relevante mencionar a transmissão aferente vesical. Em condições normais ela é feita por fibras mielinizadas de con- dução rápida, denominadas Aδ, que respondem à distensão vesical fisiológica. Fibras não mielinizadas (tipo C) respondem aos estímulos nociceptivos do urotélio e do detrusor.Podem também responder a alterações químicas da composição da urina, liberando neuroquininas de terminações nervosas centrais e periféricas.
Nervos aferentes que apresentam óxido nítrico como neurotransmissor também podem estar envolvidos no processo. A inibição de sua atividade provoca aumento da atividade vesical. Assim, seu papel é o de regular o nível de sensibilidade da bexiga para sinalização aos centros principais da sensação de enchimento vesical.
Quanto aos prostanoides, também são liberados pelas terminações nervosas do TUI após alguns estímulos, como distensão vesical e estimulação do nervo pélvico, e provocam contração de fibras detrusoras isoladas em humanos, mas relaxamento de fibras lisas uretrais.
Como esse efeito é lento, sua função parece estar relacionada com modulação local da neurotransmissão aferente e eferente. Inibidores da síntese de prostanoides também podem aliviar sintomas irritativos vesicais e melhorar a continência.
Ciclo da micção
- Enchimento: A distensão da bexiga induz ativação progressiva dos nervos aferentes vesicais. Essa ativação é acompanhada pela inibição reflexa da bexiga através do nervo hipogástrico e simultânea estimulação do es- fíncter externo via nervo pudendo. O CPM é continua- mente monitorado sobre as condições de enchimento vesical, mantendo sua influência inibitória sobre o centro medular sacral, que inerva a bexiga, e liberando progressivamente a ativação do esfíncter externo;
- Esvaziamento: após alcançar um nível crítico de enchimento vesical e sendo a micção desejada naquele momento, o CPM interrompe a inibição sobre o centro sacral da micção (parassimpático), que ativa a contração vesical através do nervo pélvico. Ao mesmo tempo, a influência inibitória sobre a bexiga, feita pelo sistema simpático através do nervo hipogástrico, é interrompida e ocorre simultânea inibição da ativação somática do esfíncter, relaxando o aparelho esfincteriano e garantindo a coordenação da micção. O ciclo miccional normal pode ser descrito como simples processo de liga – desliga, em que, em um primeiro momento, ocorre inibição dos reflexos da micção (inibição vesical por meio da estimulação simpática e inibição da estimulação parassimpática) e ativação dos reflexos de enchimento vesical (estimulação esfincteriana pudenda). Esse mecanismo é alternado para ativação dos reflexos da micção (estimulação vesical parassimpática) e inibição dos reflexos de enchimento (inibição da ativação esfincteriana) e as duas fases alternam-se seguidamente.