1 – Hemácias, Leucócitos e Resistência à Infecção
A principal função das hemácias é a de transportar a hemoglobina que leva oxigênio dos pulmões para os tecidos. As hemácias normais são discos bicôncavos e o seu formato pode alterar-se notavelmente quando de sua passagem pelos capilares. Em indivíduos normais do sexo masculino o número médio de hemácias por milímetro cúbico é de 5.200.000, sendo de 4.700.000 em mulheres normais.
Quando o hematócrito (definido como a porcentagem de sangue que é constituída por hemácias – normalmente 40 a 45%) e a quantidade de hemoglobina em cada célula são normais, o sangue contém, em média, 15 g de hemoglobina em cada 100 ml. Na medula óssea existem elementos celulares denominados células-tronco hematopoéticas pluripotenciais, das quais derivam-se todas as células presentes no sangue circulante.
Embora essas células se reproduzam continuamente durante toda a vida da pessoa, algumas delas permanecem exatamente iguais às células pluripotenciais originais, sendo mantidas na medula óssea como reserva destas. As primeiras descendentes não podem ser reconhecidas como diferentes das células pluripotenciais, embora já estejam comprometidas com diferentes linhagens de células, sendo chamadas de células primordiais comprometidas.
A célula primordial comprometida que produz eritrócitos é denominada unidade formadora de colônias de eritrócitos. O crescimento e a reprodução das diferentes células-tronco estão sob o controle de múltiplas proteínas conjuntamente denominadas indutores de crescimento. Os indutores de crescimento promovem o crescimento mas não a diferenciação das células. Esta é a função de um outro conjunto de proteínas denominadas indutores de diferenciação.
A massa total de hemácias no sistema circulatório é regulada dentro de limites muitos estreitos, de modo que sempre há um número adequado de hemácias disponíveis para proporcionar oxigenação tecidual suficiente, mas não tanto que as células fiquem concentradas a ponto de dificultar o fluxo sanguíneo. Qualquer condição que faça diminuir a quantidade de oxigênio normalmente transportada para os tecidos aumenta a velocidade de produção das hemácias. É o que ocorre na anemia e em altitudes elevadas onde o teor de oxigênio no ar é diminuído.
O principal fator que estimula a produção de hemácias é um hormônio circulante denominado eritropoetina, que é sensível à hipóxia. Em pessoas normais, cerca de 90% de toda a eritropoetina são formados nos rins e o restante é formado principalmente no fígado. Duas vitaminas são particularmente importantes para a maturação final das hemácias, a vitamina B12 e o ácido fólico. Ambos são essenciais à síntese de DNA.
Essas células malformadas, depois de passarem para o sangue circulante, são capazes de transportar oxigênio normalmente, mas sua fragilidade faz com que tenham vida curta. Uma causa comum da insuficiência de maturação é a incapacidade para absorver vitamina B12 (cianocobalamina) no tubo gastrintestinal, especificamente no íleo. Isso ocorre frequentemente na anemia perniciosa ou megaloblástica, em que a anormalidade básica é a atrofia da mucosa gástrica, que deixa de produzir as secreções gástricas normais, em especial o fator intrínseco de Casttle pelas células parietais.
A síntese de hemoglobina começa nos proeritroblastos e continua até alguns dias depois de as células saírem da medula óssea e passarem à corrente sanguínea. Uma etapa importante é a formação do heme, que contém um átomo de ferro. Em seguida, cada molécula de heme combina-se a uma cadeia polipeptídica muito longa denominada globina, formando a cadeia hemoglobínica. Quatro cadeias hemoglobínicas, por sua vez, ligam-se frouxamente entre sí para formar a molécula total da hemoglobina.
Há quatro átomos de ferro em cada molécula de hemoglobina; cada um deles pode ligar-se a uma molécula de oxigênio, perfazendo o total de quatro moléculas ou oito átomos de oxigênio que cada molécula de hemoglobina pode transportar. A característica mais importante da molécula de hemoglobina é sua capacidade de combinar-se frouxa e reversivelmente com o oxigênio.
Depois de passarem da medula óssea para o sistema circulatório, as hemácias normalmente circulam por 120 dias, em média, antes de serem destruídas. Essa destruição pode ocorrer no baço ou através do rompimento das membranas plasmáticas enfraquecidas ao passar por regiões estreitas na circulação. A hemoglobina liberada pelas células que se rompem é fagocitada quase que imediatamente por macrófagos em todo o corpo, particularmente por aqueles localizados no fígado (células de Kupffer). Durante o período que se segue, os macrófagos liberam o ferro da hemoglobina de volta para o sangue para a produção de novas hemácias. Uma parte da molécula de hemoglobina degradada é convertida no pigmento biliar bilirrubina.
No processo de formação da bilirrubina, parte da hemoglobina transforma-se em biliverdina, que se transforma em bilirrubina não-conjugada ou indireta, que se liga à albumina e vai para o fígado. No fígado ocorre a conjugação ou ligação da bilirrubina indireta ao glicuronídeo formando glicuronato de bilirrubina também conhecido como bilirrubina conjugada ou direta.
A bilirrubina conjugada pode ser armazenada na vesícula biliar ou seguir para a ampola de Váter e para o duodeno sendo eliminada com as fezes. As anemias significam deficiência de hemácias e podem ser causadas basicamente por perda demasiadamente rápida ou por produção excessivamente lenta de hemácias. A anemia aplástica indica que a medula óssea não está funcionando, está em aplasia.
Ocorre por exemplo em pessoas expostas à radiação gama pela explosão de uma bomba atômica, podendo levar à destruição total da medula óssea e à morte. As anemias hemolíticas ocorrem devido à fragilidade das hemácias e geralmente são hereditárias. Um desses tipos de anemia é a falciforme. Na anemia falciforme, a hemácia possui a aparência de uma foice e não de um disco bicôncavo.
Um dos principais efeitos da anemia é o aumento do débito cardíaco. Os leucócitos são as unidades móveis do sistema protetor do organismo. Seis diferentes tipos são normalmente encontrados no sangue: os polimorfonucleares (neutrófilos, basófilos e eosinófilos), os monócitos, os linfócitos e os plasmócitos. Os leucócitos são produzidos na medula óssea e nos tecidos linfóides. As plaquetas são fragmentos de um sétimo tipo de leucócito encontrado na medula óssea, o megacariócito. O principal mecanismo de defesa realizado pelos leucócitos é a fagocitose.
Os linfócitos e plasmócitos funcionam principalmente em conexão com o sistema imune. Além das células comprometidas com a formação de hemácias, formam-se também duas grandes linhagens de leucócitos – a mielocítica e a linfocítica. O principal motivo para os leucócitos estarem presentes no sangue é simplesmente porque estão sendo transportados da medula óssea ou dos tecidos linfóides para as áreas do corpo onde são necessários.
Uma vez nos tecidos, os monócitos aumentam de tamanho transformando-se em macrófagos teciduais e sob esta forma podem viver e atacar invasores infecciosos durante meses ou anos, a menos que sejam destruídos ao realizarem a fagocitose. São principalmente os neutrófilos e os macrófagos que atacam e destroem invasores como bactérias, vírus e outros agentes nocivos. Os leucócitos deslocam-se pelos espaços teciduais por movimento amebóide e são atraídos por quimiotaxia para os tecidos inflamados.
As substâncias naturais do corpo têm revestimentos protéicos protetores que repelem os fagócitos. Por outro lado, as partículas estranhas e de tecidos mortos frequentemente são desprovidas desses revestimentos protetores, o que também as torna sujeitas à fagocitose. Muitas vezes os anticorpos aderem à membrana bacteriana facilitando a fagocitose num processo denominado opsonização. Depois de fagocitadas, as partículas, em sua maioria, são digeridas por enzimas intracelulares.
A combinação de monócitos, macrófagos móveis, macrófagos teciduais fixos e algumas células endoteliais especializadas presentes na medula óssea, no baço e nos linfonodos constitui o sistema dos monócitos e macrófagos, que é também frequentemente chamado de sistema reticuloendotelial, pois acreditava-se antes que os macrófagos originavam-se das células endoteliais. Quando ocorre lesão tecidual causada por bactérias, traumatismos, compostos químicos, calor ou qualquer outro fenômeno, os tecidos lesados liberam múltiplas substâncias que vão lhes causar drásticas alterações secundárias.
Todo esse complexo de alterações teciduais é denominado inflamação. Um dos primeiros resultados da inflamação é o de encapsular a área lesada, separando-a dos demais tecidos. A intensidade do processo inflamatório é geralmente proporcional ao grau de lesão tecidual. Os macrófagos teciduais constituem a primeira linha de defesa contra infecções. A invasão da área inflamada por neutrófilos é a segunda linha de defesa. Dentro de algumas horas ocorre neutrofilia, caracterizada pelo aumento agudo dos neutrófilos no sangue. Uma segunda invasão do tecido inflamado por macrófagos constitui a terceira linha de defesa.
O aumento da produção de granulócitos e monócitos constitui a quarta linha de defesa. O controle da resposta dos macrófagos e neutrófilos na inflamação ocorre a partir de substâncias como o fator de necrose tumoral e a interleucina-1. Os eosinófilos normalmente constituem 2 a 3% de todos os leucócitos sanguíneos. Eles são fracos como fagócitos e apresentam pouca quimiotaxia. Por outro lado, os eosinófilos são usualmente produzidos em número muito elevado em pessoas com infestações parasitárias, migrando para os tecidos acometidos pelos parasitas. Embora os parasitas sejam, em maioria, grandes demais para serem fagocitados pelos eosinófilos, ainda assim os eosinófilos fixam-se aos parasitas e liberam substâncias que matam muitos deles.
Os eosinófilos também têm propensão especial a se acumular em tecidos em que ocorreram reações alérgicas como os tecidos peribrônquicos de pessoas asmáticas, na pele após reações cutâneas alérgicas e assim por diante. Os basófilos são semelhantes aos mastócitos e, assim como os mastócitos, liberam heparina no sangue impedindo a coagulação e acelerando a remoção de partículas lipídicas após refeição rica em lipídios.
Ocasionalmente observa-se uma afecção clínica conhecida como leucopenia ou agranulocitose, na qual a medula óssea para de produzir leucócitos deixando o corpo desprotegido contra bactérias e outros agentes capazes de invadir os tecidos. As leucemias são divididas em dois tipos gerais: as leucemias linfogênicas e as leucemias mielogênicas. As leucemias linfogênicas são causadas pela descontrolada produção cancerosa de células linfóides, produção essa que usualmente se inicia num linfonodo ou num outro tecido linfogênico e subsequentemente se dissemina para outras áreas do corpo.
O segundo tipo de leucemia, a leucemia mielogênica, inicia-se pela produção cancerosa de células mielogênicas jovens na medula óssea e depois se dissemina para todo o corpo, de tal modo que os leucócitos passam a ser produzidos em muitos órgãos além da medula óssea.
Na leucemia, muito comumente, desenvolvem-se infecções, anemia grave e tendência hemorrágica ocasionada pela trombocitopenia. Esses efeitos decorrem principalmente da substituição da medula óssea normal pelas células leucêmicas não funcionais. Talvez o mais improtante efeito da leucemia sobre o organismo seja o consumo excessivo de substratos metabólicos pelas células cancerosas em crescimento.
2 – Imunidade, Alergia e Grupos Sanguíneos
Imunidade e Alergia
O corpo humano tem a capacidade de resistir a quase todos os tipos de organismos ou toxinas que tendem a lesar os tecidos e órgãos. Essa capacidade é denominada imunidade. A imunidade adquirida desenvolve-se depois que o corpo é pela primeira vez agredido por um microorganismo ou por uma toxina bacteriana, com frequência levando semanas ou meses para desenvolver-se.
Outra parte da imunidade decorre de processos gerais e não de processos dirigidos contra organismos patogênicos específicos. Essa é a chamada imunidade inata. A imunidade inata inclui a fagocitose, a destruição de microorganismos pelas secreções ácidas do estômago e pelas enzimas digestivas, a resistência da pele à invasão por organismos e a presença de compostos químicos no sangue que se fixam a organismos estranhos ou toxinas destruindo-os. A imunidade adquirida pode, muitas vezes, conferir grau extremo de proteção. Existem no organismo dois tipos básicos, porém estreitamente associados, de imunidade adquirida. Num deles, o corpo elabora anticorpos circulantes que são moléculas de globulina capazes de atacar o agente invasor.
Esse tipo de imunidade é denominado imunidade humoral ou imunidade de células B, porque são os linfócitos B que produzem os anticorpos. O segundo tipo de imunidade adquirida é dado pela formação de grande número de linfócitos ativados especificamente destinados a destruir o agente invasor. Esse tipo de imunidade é chamado de imunidade mediada por células ou imunidade das células T, porque os linfócitos ativados são os linfócitos T.
Tanto os anticorpos como os linfócitos ativados são formados nos tecidos linfóides do corpo. Ambos os tipos de imunidade adquirida são induzidos por antígenos. Em geral, os antígenos são proteínas ou grandes polissacarídeos. O processo de antigenicidade depende de grupos moleculares denominados epítopos.
A imunidade adquirida é produto do sistema linfocitário do corpo. Os linfócitos se localizam predominantemente nos linfonodos, mas também estão presentes em tecidos linfóides especiais como o baço, áreas situadas na submucosa do tubo gastrintestinal e a medula óssea. O tecido linfóide do tubo gastrintestinal, por exemplo, é imediatamente exposto aos antígenos que penetram pelo tubo digestivo.
O tecido linfóide do baço e da medula óssea desempenha o papel específico de interceptar os agentes antigênicos que conseguem chegar ao sangue circulante. Ambos os tipos de linfócitos originam-se no embrião a partir de células-tronco hematopoéticas pluripotenciais. Os linfócitos que são destinados à formação de linfócitos T migram inicialmente para o timo e são aí pré-processados. Os linfócitos B, destinados a formar anticorpos, são pré-processados no fígado, nos meados da vida fetal, e na medula óssea, no fim da vida fetal e depois do nascimento.
Essa população de células foi originalmente descoberta em aves, nas quais o pré-processamento ocorre na bursa de Fabrícius, uma estrutura não encontrada em mamíferos. Depois de formados na medula óssea, os linfócitos T migram primeiramente para o timo. Nessa glândula eles se multiplicam com rapidez e reagem com diferentes antígenos específicos.
Esses diferentes tipos de linfócitos T processados deixam então o timo e espalham-se por todo o corpo, alojando-se nos tecidos linfóides. O timo também assegura que os linfócitos T que ele produz não reagirão contra proteínas ou outros antígenos presentes nos próprios tecidos do corpo. O timo seleciona quais os linfócitos T devem ser liberados, primeiro misturando-os com virtualmente todos os “auto-antígenos” específicos existentes nos próprios tecidos do corpo. Se um linfócito T reage, ele é destruído e fagocitado, que é o que acontece com até 90% das células.
Os linfócitos B diferem dos linfócitos T sob dois aspectos: em primeiro lugar, ao invés de a célula como um todo tornar-se reativa contra o antígeno, como ocorre com os linfócitos T, os linfócitos B secretam anticorpos, que são os agentes reativos. Os anticorpos são grandes moléculas protéicas capazes de combinar-se com os antígenos e destruí-los. Em segundo lugar, os linfócitos B apresentam diversidade ainda maior que a dos linfócitos T, dando assim origem a muitos e muitos milhões – talvez até mesmo bilhões – de anticorpos com diferentes reatividades específicas. Após o pré-processamento, os linfócitos B, da mesma forma que os linfócitos T, migram para os tecidos linfóides distribuídos por todo o corpo, onde se alojam a pequena distância das áreas ocupadas pelos linfócitos T.
Quando um antígeno específico entra em contato com os linfócitos T e B no tecido linfóide, alguns dos linfócitos T são ativados para formar “células T ativadas”, e alguns dos linfócitos B formam anticorpos. Há milhões de tipos diferentes de linfócitos B pré-formados e igual número de linfócitos T pré-formados que são capazes de dar origem a anticorpos ou células T altamente específicas quando estimulados pelos antígenos apropriados. Esse linfócito só pode então ser ativado pelo tipo específico de antígeno com o qual ele pode reagir.
Após ser ativado por seu antígeno específico, o linfócito reproduz-se intensamente. Quando se trata de um linfócito B, seus descendentes acabam por secretar anticorpos que irão circular por todo o corpo. Os linfócitos semelhantes são denominados clones e derivam originalmente de um linfócito específico. No caso dos linfócitos B, cada um deles tem na superfície de sua membrana celular cerca de 100.000 moléculas de anticorpo, que vão reagir de modo altamente específico com apenas aquele tipo específico de antígeno. Por isso, quando o antígeno apropriado se apresenta, ele imediatamente se liga à membrana celular; isto leva ao processo de ativação.
No caso dos linfócitos T, moléculas muito semelhantes a anticorpos, denominadas proteínas receptoras de superfície ou marcadores de células T localizam-se na superfície da membrana celular sendo altamente específicas para o antígeno ativador específico. Antes da exposição a um antígeno específico, os clones de linfócitos B permanecem quiescentes no tecido linfóide. Com a chegada de um antígeno estranho, entretanto, os macrófagos do tecido linfóide fagocitam o antígeno e o apresentam, então, aos linfócitos B adjacentes.
Além disso, o antígeno é simultaneamente apresentado às células T, e então células T “auxiliares” ativadas também passam a contribuir para a ativação dos linfócitos B. Os linfócitos B específicos transformam-se em plasmócitos secretores de anticorpos. Os anticorpos são secretados na linfa e levados para o sangue circulante. Alguns dos linfócitos B, ao invés de transformar-se em plasmócitos secretores de anticorpos, transformam-se em linfócitos B de memória.
O primeiro contato com o antígeno e que leva à produção de plasmócitos e linfócitos B de memória é denominado resposta primária. A exposição subsequente ao antígeno vai causar, então, uma resposta de anticorpos muito mais rápida e muito mais potente, pois o número de células de memória é muito maior do que o número de linfócitos originalmente presentes no clone específico.
A maior potência e a maior duração da resposta secundária explicam por que as vacinações são geralmente efetuadas injetando-se um antígeno em doses múltiplas, com períodos de várias semanas ou vários meses entre as aplicações. Os anticorpos são gamaglobulinas denominadas imunoglobulinas e são compostos por combinações de duas cadeias polipeptídicas leves e duas pesadas. Cada cadeia pesada é paralela a uma cadeia leve em uma de suas extremidades. Cada cadeia possui uma parte variável e uma parte constante.
A parte variável é diferente para cada especificidade do anticorpo e é essa parte que se fixa a um tipo particular de antígeno. Cada cadeia tem forma estérica diferente para cada especificidade antigênica possibilitando a ligação do anticorpo ao antígeno. Os anticorpos agem por ataque direto sobre o invasor e pela ativação do sistema do complemento. A ação direta ocorre através de aglutinação de partículas graças à natureza bivalente dos anticorpos, precipitação, neutralização e lise direta das membranas.
A maior parte da proteção dos anticorpos, entretanto, vem através dos efeitos amplificadores do sistema do complemento. Complemento é o termo coletivo para descrever um sistema de cerca de 20 proteínas distintas, muitas das quais são precursoras de enzimas. Os principais atores desse sistema são C1 a C9, B e D. Todas elas estão normalmente presentes entre as proteínas plasmáticas. Quando um anticorpo se liga a um antígeno, um sítio reativo específico na parte constante do anticorpo passa a ficar descoberto ou ativado.
Esse sítio liga-se à molécula C1 do complemento desencadeando uma cascata de reações sequenciais. Formam-se múltiplos produtos finais e vários deles causam efeitos importantes como a opsonização pelo C3b e consequente fagocitose, a lise pelo complexo lítico C5b6789, a aglutinação, a neutralização de vírus e a ativação de mastócitos e basófilos pelos fragmentos C3a, C4a e C5a. Após a ativação de células T, ocorre proliferação de linfócitos T e formação de linfócitos T de memória que aumentam a rapidez da resposta nas exposições subsequentes ao mesmo antígeno.
Há muitos tipos distintos de células T sendo os principais os linfócitos T auxiliares, T citotóxicos e T supressores. As células T auxiliares constituem a maior parte dos linfócitos T e estimulam o crescimento e a proliferação de células T citotóxicas, células T supressoras e ativam macrófagos por todo o corpo. As células auxiliares é que são inativadas ou destruídas pelo vírus da AIDS. Isto virtualmente paralisa todo o sistema imune, o que acarreta os conhecidos efeitos letais da AIDS.
As células T citotóxicas realizam ataque direto após a fixação através da produção de proteínas formadoras de orifícios, as perforinas. Em seguida, a célula T citotóxica libera substâncias citotóxicas diretamente para o interior da célula atacada. Elas também são conhecidas como natural killers e desempenham papel importante na destruição de células malignas e outros tipos de células estranhas. As células T supressoras suprimem as funções tanto das células T citotóxicas como das células T auxiliares.
Acredita-se que essa função supressora sirva ao propósito de regular as atividades das demais células. O mecanismo pelo qual o sistema imune não agride as células do próprio organismo é conhecido como tolerância imunológica. A maior parte da tolerância resulta da seleção de clones durante o pré-processamento dos linfócitos T no timo e dos linfócitos B na medula óssea.
O fracasso dos mecanismos de tolerância causa as doenças de auto-imunidade como a febre reumática, um tipo de glomerulonefrite, a miastenia grave e o lúpus eritematoso. A alergia ocorre em pessoas que apresentam grande quantidade de anticorpos IgE, os quais possuem forte propensão à fixação em mastócitos e basófilos.
Quando um alérgeno interage com um anticorpo IgE ocorre uma reação alérgica através do rompimento das membranas e liberação dos grânulos presentes nos mastócitos e basófilos. Esses grânulos contém principalmente histamina, substância de reação lenta da anafilaxia ou SRSA que é uma mistura de leucotrienos, a substância quimiotáxica para eosinófilos, a heparina, fatores de ativação plaquetária e proteases.
Grupos Sanguíneos
O sangue de pessoas diferentes geralmente tem propriedades antigênicas e imunitárias diversas, de modo que os anticorpos presentes no plasma de um sangue reagem com os antígenos existentes na superfície das hemácias de outro sangue. Dois grupos particulares de antígenos têm, mais do que outros, tendência a causar reações transfusionais. São eles o chamado sistema A-B-O de antígenos e o sistema Rh. Os sangues são divididos em diferentes grupos em relação ao sistema A-B-O e tipos em relação ao sistema Rh.
Quando nem o aglutinógeno A nem o B estão presentes, o grupo sanguíneo é o grupo O. Quando apenas o aglutinógeno A está presente, o sangue é do grupo A. Quando apenas o aglutinógeno B está presente, o sangue é do tipo B. Quando ambos os aglutinógenos, A e B, estão presentes, o sangue é do grupo AB. Quando o aglutinógeno tipo A não está presente nas hemácias de uma pessoa, anticorpos conhecidos como aglutininas anti-A se desenvolvem no plasma.
O sangue do grupo O, embora não apresente aglutinógenos, contém tanto a aglutinina anti-A como a anti-B. O sangue do grupo B contém aglutinógenos tipo B e aglutininas anti-A. O sangue do grupo AB contém os aglutinógenos A e B, mas nenhuma aglutinina. As aglutininas são produzidas por indivíduos que não têm as substâncias antigênicas emsuas hemácias devido ao fato de que pequenas quantidades de antígenos A e B penetram no corpo por meio de alimentos, de bactérias e de outras maneiras após o nascimento.
Em transplantes de sangue errados, como as aglutininas têm dois sítios de fixação (tipo IgG) ou dez sítios (tipo IgM), uma única aglutinina pode se fixar a duas ou mais hemácias ao mesmo tempo fazendo com que elas se aglutinem. Esses aglomerados entopem vasos sanguíneos por todo o sistema circulatório. Durante as horas e dias subsequentes, os leucócitos fagocitários e o sistema retículoendotelial destroem as células aglutinadas, liberando hemoglobina no plasma.
Em algumas reações transfusionais ocorre hemólise imediata por ativação do complemento. Uma das consequências mais letais das reações transfusionais é a insuficiência renal aguda. Quando a quantidade total de hemoglobina no sangue se eleva acima de um nível crítico, grande parte do excesso vaza através das membranas glomerulares para os túbulos renais.
Quando em quantidade pequena, essa hemoglobina pode ser reabsorvida para o sangue pelo epitélio tubular, entretanto, quando a quantidade é grande, apenas uma pequena porcentagem é reabsorvida, fazendo a concentração tubular de hemoglobina elevar-se de tal modo que ela se precipita e bloqueia muitos túbulos. Quando hemácias contendo fator Rh são injetadas em uma pessoa sem esse fator, desenvolvem-se muito lentamente aglutininas anti-Rh.
A transfusão de sangue Rh positivo numa pessoa Rh negativa que nunca tenha sido antes exposta a sangue Rh positivo não causa absolutamente qualquer reação imediata. A eritroblastose fetal é uma doença de fetos e de recém-nascidos, caracterizada por aglutinação progressiva e fagocitose subsequente das hemácias. Na maioria dos casos de eritroblastose fetal a mãe é negativa e o pai é positivo. O bebê, sendo positivo, faz com que a mãe desenvolva aglutininas anti-Rh através da placenta para o feto.
Ocorre aglutinação do sangue fetal e subsequentemente hemólise, liberando hemoglobina no sangue. Os macrófagos então convertem essa hemoglobina em bilirrubina, que deixa a pele amarelada (icterícia). O tratamento habitual da eritroblastose fetal consiste em substituir o sangue do recém nascido por sangue Rh negativo.
3 – Hemostasia e Coagulação
O termo hemostasia significa prevenção da perda de sangue. Sempre que um vaso é seccionado ou se rompe, a hemostasia é feita por diversos mecanismos, incluindo um espasmo vascular, a formação do tampão plaquetário, a formação de um coágulo sanguíneo como resultado da coagulação do sangue e o crescimento de tecido fibroso no interior do coágulo sanguíneo para fechar permanentemente o orifício no vaso.
O tampão plaquetário forma-se quando a ruptura do vaso sanguíneo é muito pequena. As plaquetas são formadas na medula óssea a partir dos megacariócitos e sua concentração normal no sangue fica entre 150.000 e 300.000 por microlitro. A plaqueta é uma estrutura muito ativa. Ela tem uma meia-vida de 8 a 12 dias no sangue, período ao fim do qual seus processos vitais se esgotam. Quando em contato com uma superfície vascular lesada, como as fibras de colágeno subendotelial, as plaquetas aumentam de tamanho e liberam seus grânulos com substâncias como o ADT e o tromboxano A2. Essas substâncias agem sobre as plaquetas vizinhas estimulando sua aderência, o que dá origem ao tampão plaquetário.
O coágulo desenvolve-se quando o traumatismo da parede vascular é grave. Substâncias ativadoras provenientes tanto da parede vascular traumatizada como das plaquetas e das proteínas sanguíneas que aderem à parede vascular traumatizada dão início ao processo de coagulação. Em resposta à ruptura do vaso ocorre uma complexa cascata de reações químicas no sangue, envolvendo mais de uma dúzia de fatores da coagulação sanguínea. Essas substâncias catalisam a conversão da protrombina em trombina.
A trombina atua como enzima, convertendo o fibrinogênio em filamentos de fibrina, que retêm em sua malha as plaquetas, as células sanguíneas e o plasma, formando o coágulo. Pode ocorrer sangramento excessivo como resultado da deficiência de qualquer um dos múltiplos fatores da coagulação. Três tipos específicos de tendência hemorrágica são a deficiência de vitamina K, a hemofilia e a trombocitopenia.
A hemofilia é causada pela deficiência do fator VIII e do fator IX. Esses dois fatores são transmitidos geneticamente por meio do cromosoma feminino, como caráter recessivo. Por essa razão, raramente a mulher apresenta hemofilia. Porém, se um de seus cromossomos X por deficiente, ela será uma portadora de hemofilia. Um coágulo anormal que se desenvolve em um vaso sanguíneo é denominado trombo.
Uma vez desenvolvido o coágulo, o contínuo fluxo de sangue que passa ao lado dele pode fazer com que se desprenda de sua fixação e seja transportado pelo sangue; esses coágulos são conhecidos como êmbolos. Qualquer aspereza na superfície endotelial de um vaso – como a causada por arteriosclerose, infecção ou trauma – é capaz de dar início ao processo de coagulação. O sangue também se coagula com frequência quando flui muito lentamente pelos vasos sanguíneos.
É comum ocorrer em seres humanos a trombose femoral profunda que desencadeia embolia pulmonar maciça. Quando o coágulo é suficientemente grande para ocluir as duas artérias pulmonares, a morte sobrevém imediatamente. Quando é bloqueada apenas uma artéria pulmonar ou um ramo menor, pode não ocorrer a morte ou a embolia pode levar à morte algumas horas a vários dias depois, em virtude do crescimento adicional do coágulo dentro dos vasos pulmonares.
Em algumas condições tromboembólicas, como a trombose coronária ou a embolia pulmonar, é desejável retardar o processo de coagulação. Por isso, vários anticoagulantes foram desenvolvidos para o tratamento dessas afecções. Os mais úteis para a prática clínica são a heparina e os cumarínicos. Alguns coágulos intravasculares podem ser desfeitos pela injeção de estreptoquinase, que é formada por certos tipos de estreptococos hemolíticos.